ONU condena decisão de tribunal brasileiro que absolveu acusado de estuprar meninas de 12 anos

O escritório de Direitos Humanos da ONU (Organização da Nações Unidas) na América do Sul criticou a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que inocentou um acusado de estuprar três meninas de 12 anos de idade. O Tribunal argumentou que as crianças já se dedicavam à prática de atividades sexuais. O MPF (Ministério Público Federal) entrou com recurso contra a decisão.

“É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”, disse Amerigo Incalcaterra, representante da ONU. “A decisão do STJ abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero”, acrescentou.

Incalcaterra destacou que a decisão do STJ contradiz vários tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, incluindo a Convenção sobre os Direitos da Criança, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Ele enfatizou que “todos os tribunais têm a obrigação jurídica de interpretar e aplicar esses tratados de direitos humanos”.

O representante comentou a preocupação da representação do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil sobre esta decisão, que põe em risco os progressos já realizados pelo País sobre o respeito aos direitos de crianças e adolescentes.

Incalcaterra pediu às autoridades nacionais, incluindo o Poder Judiciário, que priorizem os interesses superiores da criança na tomada de decisões e lembrou a obrigação dos Estados de protegerem as crianças de todas as formas de violência, incluindo o abuso sexual.

As diretrizes internacionais de direitos humanos estabelecem que a vida sexual de uma mulher não deve ser levada em consideração em julgamentos sobre seus direitos e proteções legais, incluindo a proteção contra o estupro. Além disso, de acordo com a jurisprudência internacional, os casos de abuso sexual não devem considerar a vida sexual da vítima para determinar a existência de um ataque, pois essa interpretação constitui uma discriminação baseada em gênero.

Incalcaterra elogiou as declarações da SDH (Secretaria de Direitos Humanos) do Brasil, nas quais a Ministra Maria do Rosário disse que os direitos das crianças jamais podem ser relativizados; ela também criticou a decisão do STJ por significar impunidade para crimes dessa gravidade. O representante ofereceu ao Judiciário a assistência e cooperação do seu Escritório sobre as normas internacionais de direitos humanos.

O STJ publicou nesta quarta-feira (11/4) nota de esclarecimentos à sociedade em relação à decisão que inocentou um homem da acusação de ter estuprado três meninas de 12 anos. A nota diz que o STJ não institucionalizou a prostituição infantil. O presidente do STJ, Ari Pargendler, disse em público que a decisão pode ser alterada.

"A decisão não diz respeito à criminalização da prática de prostituição infantil, como prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal após 2009. A decisão trata, de forma restrita e específica, da acusação de estupro ficto, em vista unicamente da ausência de violência real no ato", diz trecho da nota.

Repercussão negativa

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, manifestou-se contra decisão tomada na última terça (27/3) pela 3ª Seção do STJ, segundo a qual nem sempre o ato sexual com menores de 14 anos pode ser considerado estupro. Para Cardozo, as decisões da Corte têm de ser respeitadas, mesmo que se discorde delas. "Eu, como estudioso do direito, tenho uma posição contrária, mas o STJ deu essa decisão. Não sei se ela será mantida, se será definitiva. Aguardemos o resultado final", disse o ministro, após participar, no Tribunal, da abertura do Prêmio Innovare, destinado aos autores de iniciativas inovadoras no campo jurídico.

"Entendemos que os Direitos Humanos de crianças e adolescentes jamais podem ser relativizados. Com essa sentença, um homem foi inocentado da acusação de estupro de três vulneráveis, o que na prática significa impunidade para um dos crimes mais graves cometidos contra a sociedade brasileira",disse a ministra Maria do Rosário. De acordo com a SDH a decisão abre um precedente que fragiliza pais, mães e todos aqueles que lutam para cuidar de crianças e adolescentes.

A decisão pode banalizar a violência sexual contra crianças e adolescentes, de acordo com a secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves. “Acho que além de banalizar, vai autorizar [a prática do crime]. O Judiciário brasileiro está autorizando estupradores a fazerem isso. Este é um elemento grave”, disse a secretária.

A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) também se manifestou contrária a decisão. Segundo a entidade o entendimento é uma afronta ao princípio da proteção absoluta de crianças e adolescentes, garantido pela Constituição Federal. Na opinião do presidente da associação, o procurador regional da República Alexandre Caminho de Assis, a decisão é um salvo-conduto à exploração sexual. “O tribunal pressupõe que uma menina de 12 anos estaria consciente da liberdade de seu corpo e, por isso, se prostitui. Isso é um absurdo”, disse.

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